sábado, 16 de abril de 2011

Produção do etanol gera impactos ambientais ainda sem monitoramento

Por Otávio Batista

Nos últimos anos, a discussão em torno dos biocombústiveis vem se acentuando. Eles se apresentam como uma opção renovável e menos agressiva ao meio ambiente que os combustíveis fósseis. O Brasil se destaca nesse cenário como um grande produtor de bioetanol de cana-de-açúcar. No entanto, mesmo aparecendo como uma melhor escolha, ainda há impactos ambientais que devem ser debatidos em torno do fomento da produção sucroalcooleira. É o que indica a dissertação “Gestão Ambiental no setor sucroalcooleiro de Pernambuco: Entre a inesgotabilidade dos recursos naturais e os mecanismos de regulação” defendida por Maiara Melo no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da UFPE, no início de 2011. O trabalho foi orientado pela professora Maria do Carmo Sobral, do Departamento de Engenharia Civil da UFPE e co-orientado pela professora Christine Rufino Dabat.

Pernambuco tem uma relação histórica com o cultivo da cana-de-açúcar e a produção de seus derivados. A atividade marcou profundamente a história, paisagem e relações sociais da zona da mata do Estado. A pesquisadora Maiara Melo parte do principio do paradigma da inesgotabilidade dos recursos naturais para realizar sua argumentação. “É a ideia, que vem desde o período colonial, que sempre se pode plantar cana sem pensar no desgaste ambiental, que é grande. Desde o início da cultura canavieira se observa problemas como o desmatamento e o desgaste do solo. É um modelo econômico que nega e explora a natureza”, explica. Para a pesquisadora a atual empolgação com o bioetanol se encaixa nesse padrão secular.

A pesquisa, baseada nos estudos de Manoel Correia de Andrade, relata que durante toda a história da região a produção canavieira foi fomentada pelo Estado. “Nós costumamos dizer que o Estado promoveu a devastação ambiental da Mata Atlântica”, declara a gestora ambiental. Maiara Melo aponta a década de 1930 com a industrialização do setor e, principalmente, o ano de 1975 com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) como marcos na relação do Estado com o setor sucroalcooleiro. “Em 1975, quando foi criado o Proálcool, já se tinha no Brasil o Código Florestal e a Secretaria Especial de Meio Ambiente, mesmo assim nenhum item relativo a questão ambiental foi contemplado no programa”. Apenas em 1981 com a promulgação da Política Nacional de Meio Ambiente é que, se submeteu atividades econômicas a parâmetros ambientais.

O estudo analisa 18 empreendimentos sucroalcooleiros localizados na Zona da Mata do Estado, todos filiados ao Sindicato da Indústria do Açúcar e Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar). Foram observados mecanismos de regulação formal e informal. Os mecanismos de regulação formal são os instrumentos das políticas ambientais. Maiara Melo priorizou os seguintes instrumentos: estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; estabelecimento de espaços territoriais legalmente protegidos; e as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção de degradação ambiental. Além destes, foram trabalhados os termos de outorga pelo uso da água, descritos como instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos. A pesquisadora teve acesso ao arquivo da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) ficando a sua disposição todas a documentação da agência relativas ao setor sucroalcooleiro de 1978 a 2010. “É a primeira vez que uma pesquisa tem acesso a esses documentos”, destaca Maiara Melo. O ineditismo do trabalho garantiu que a banca examinadora o indicasse a ser publicado como livro.

Por sua vez, os mecanismos de regulação informal são as pressões do mercado e da sociedade, principalmente os moradores das regiões próximas as propriedades, explica a pesquisadora. Dentre estes destaca-se o certificado ISO 14001.

Na opinião da mestre, alguns instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente ainda não estão consolidadas e as que estão não são suficientes para evitar os danos ambientais. “Muitas empresas conseguem seu licenciamento sem comprovação dos itens da Política. É muito comum, por exemplo, que não se especifique o tamanho das áreas de preservação nas propriedades, que segundo o Código Florestal deve ser de 20% da área total para domínios de Mata Atlântica”, exemplifica. A pesquisadora ainda ressalta que nenhuma empresa do Estado possui o certificado ISO 14001, nem demonstra interesse em adquiri-lo a curto e médio prazo.

Foram analisados no trabalho quatro resíduos característicos da produção sucroalcooleira – o bagaço, a torta de filtro, o vinhoto e a palha de cana. Segundo a pesquisadora, baseada em dados dos Inventários de Resíduos Sólidos de Pernambuco, o setor é responsável pelo expressivo número de 92% de todos os resíduos produzidos no Estado.

Dentre estes destaca-se o vinhoto. Diretamente relacionado à produção do etanol, o vinhoto é um resíduo tóxico comumente despejado nas bacias fluviais das regiões produtoras. “Para se ter uma idéia, para cada litro de álcool produzido são originados de 10 a 18 litros de vinhoto”, esclarece a pesquisadora. Maiara Melo explica que mesmo as empresas que não despejam o resíduo nos rios, acabam por armazená-los em espécies de açudes de vinhoto e reaproveitar o material como fertilizante para o cultivo da cana. “Mesmo assim, ainda não se sabe a capacidade de penetração do vinhoto no solo e como isso afeta os mananciais subterrâneos”, diz.

A pesquisadora confessa ainda que tem uma relação especial com o estudo da palha de cana. “É simplesmente aceito que queimar palha de cana faz parte do processo. Muita gente nem a considera como resíduo. É impressionante”, relata.

A estudiosa não considera que falte legislação para gestão ambiental. O problema é a aplicação das leis já existentes. Para ela, a natureza contraditória da relação do Estado com o setor sucroalcooleiro é determinante nessa situação. “O Estado que incentiva a produção é o mesmo que aplica as leis ambientais, a corrente acaba arrebentando no elo mais fraco”, analisa. Outro problema apontado é a falta de estrutura e recursos das Agências Estaduais de Meio Ambiente para realização de operações de fiscalização, por exemplo.

Baseada nesse cenário de negligência as questões ambientais, Maiara Melo teme que a possível expansão do setor para novos mercados, com a força do bioetanol, represente apenas mais uma “modernização sem mudança”. A pesquisadora indica que o processo de modernização não pode ser apenas nas etapas produtivas, mas também no que se refere à atenção ambiental, para que o etanol seja realmente “verde” como se vende nos discursos.

Mais informações
Maiara Melo
mmmaiara@yahoo.com.br

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